quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Crônica do jornalista Sebastião Jorge retrata o grande reencontro ocorrido em 2014

Reencontro dos amigos Sebastião Jorge e Isaac Dias
Este foi um ano de poucas postagens neste blog, quando as atenções ficaram voltadas mais para outras atividades, especialmente na dedicação à Rádio Comunitária São Bento FM, onde buscava meios para reestruturá-la e dota-la de melhores condições para oferecer qualidade aos nossos ouvintes e admiradores. Mesmo assim, não poderia abdicar do exercício da profissão que abracei e amo, por isso alguns registros importantes foram destacados nesta página. Mas muito me honra, concluir este ano de 2014 com uma postagem especial, não de minha autoria e sim de um grande sábio e mestre que nos faz viajar em brandas nuvens nas leituras dos seus artigos e crônicas. Trata-se do professor, advogado e jornalista Sebastião Jorge, cuja crônica publicada no Jornal O Imparcial tive a liberdade de reproduzir abaixo.

30 anos depois
Sebastião Jorge
Jornalista

Há trinta anos que não visitava a terra onde nasci, em São Bento, na baixada maranhense. Voltei em setembro último a convite do amigo Isaac Dias. 0 festival de  alegria provocou marcantes lembranças que explodiram no silêncio de uma festa interior e de interior.
O que era para ser só satisfação se misturou a certa melancolia. Considerei-me ter alguma semelhança com “Funes, o memorioso”, figura emblemática de um conto do genial argentino Borges, o qual não consegue esquecer o que viu, nos mínimos detalhes, como as folhas de uma árvore, na perfeição e deformações. Funes confessa a incapacidade de carregar no ombro a quantidade correspondente ao peso das recordações, isto, se peso houvesse. Elas pesavam tanto quanto o que gravou na memória. Incomparável Jorge Luis Borges!
Ao chegar ao meu destino fiz uma observação... A cidade não era a mesma da minha infância e juventude. Ao pisar o seu chão senti a realidade da vida, rica de acertos, enganos e desenganos. Mistura de inocência da infância e os passos da malícia da juventude que me levaram a enfrentar a maturidade.
Estava curioso para olhar os lugares por aonde andei, de calça curta e comprida. Queria rever as pessoas amigas, o campo de futebol “Tupi”, no qual concluí que jamais seria um regular jogador. E, isto, ainda que fosse, digamos de bola de praia ou pelada de rua. Talvez, no máximo, mais um do quadro “bola murcha”, que a TV Globo apresenta aos domingos no fantástico, ao revelar nulidades. Seleciona os gols perdidos, com área sem goleiro, aliás, a trave por testemunha e defensora. Fui esforçado. Corria muito e pegava pouco na bola.
Quando o meu time perdia os colegas olhavam para mim como a pedir substituição. Qual nada. Era o senhor poderoso dono da bola. E o dono da bola não se mexe.
Havia muito a rever naquele paraíso perdido. Pouco tempo para matar saudades, 24 h, e curioso pelas coisas do passado. Senti- me perdido. Ao saltar do ônibus, depois de viajar de ferry boat e apreciar uma paisagem que a natureza dotou de preciosidade incomum, na graça do voo dos guarás brancos e vermelhos, cujas acrobacias não passavam de um bailado repleto de graça. Coloriam um espaço comum e familiar em outros tempos. Em terra senti-me perdido.
Não sabia em qual o local da cidade me encontrava. Quando estudante e de férias a chegada e saída, depois de uma longa viagem de barco, começava e terminava pelo porto. Vavá meu companheiro nessa jornada, alertou-me: “Desperta Sebastião”. Não havia rodoviária. A viagem, quando de barco, maltratava, pelo balançar do barco, conforme o vento. Todos tinham pavor das violentas e traiçoeiras ondas do boqueirão. Parece manso, hoje, certamente pela ingerência do homem a serviço do Porto do Itaqui e Vale. A alegria da chegada e o vigor da juventude venciam o medo. Senti-me um forasteiro na minha terra.
Queria dirigir-me à casa onde nasci e cresci. Desejava como num filme reviver o passado. Olhar a goiabeira amiga que me servia de trampolim. Os galhos amparados no muro ajudavam-me a alcançar a rua, onde me esperavam colegas às brincadeiras da idade. Espaço enorme onde morava. Tinha dois poços e fruteiras. Um salão onde dava festas de vitrola e conjuntos musicais nas férias. Cadê a casa? Decepção. Derrubaram-na e construíram um conjunto para diversos fins.
Restaram as lembranças de dias felizes. Não há como materializar o passado. Tudo se acaba. Vi e vivi tempos da pré-Revolução Industrial, com fogão à lenha, água de bilha, filtro e demais utensílios que o progresso substituiu. Mas, a saudade ficou. E dói. Voltarei breve e sem convite.
28.Dez.2014

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